sábado, 23 de janeiro de 2010

A CRIANÇA DO MENINO

Sabia que queria ser amado.
Mas nunca foi amado.
Nunca chorou.
Porque não quis?
Não!
Nunca se permitiu.
Não sabia chegar e dizer o que lhe vinha à mente. Não sabia mostrar sua ingenuidade, sua pureza.
Queria ser sempre rocha.
Um dia o mundo chamou esse menino.
Foi em busca de sonhos, desejos, contatos...
Mas nunca se permitiu atritar.
Por dentro sempre um choro que não sabia de onde vinha, mas sabia que vinha.
Homem o menino virou.
Todos os lugares, todas as pessoas, todos os espaços. Tudo que existia o menino conheceu, tocou, carregou...
Carregou tudo para si. Para dentro de si.
Dentro da gente é um lugar estranho. Um lugar onde guardamos coisas que se juntam com as que já existem. Daí tudo vai se amontoando e nunca sai. A não ser que deixemos.
O menino pensava em todos. Menos nele. No escuro do quarto sempre vinha a culpa. Uma culpa não se sabe de onde, nem por que. Uma culpa por querer ser.
No escuro da sua vida o menino voava, sentia frio, sabia gostar, não sabia gostar. Não sabia olhar. Sentia-se sempre à margem de tudo.
Queria mesmo é estar entre.
O menino já quis ser estranho, já quis não ser rocha.
Quis ser flor!
Mas sempre era tarde.
Por que?
Não sabia!
Mas era.
Todos queriam estar com o menino mas o menino não estava ali.
Na escola nunca esteve na sala.
No trabalho nunca esteve na sua função.
Na rua nunca esteve num lugar específico.
Na casa nunca esteve no aconchego.
No corpo nunca esteve.
Com o passar dos dias o menino-homem-adulto-senhor continuou deixando de estar.
Estar?
Estar...
Mas o fluxo do tempo deu nova chance ao menino.
Era só querer.
Era só estar dentro de si.
Era deixar o mar da vida, com suas ondas, transformar rocha em areia.
Na janela de sua casa o menino ouvia o som do vento, o canto da estrela, o cheiro da noite.
Na sua frente surge um outro menino.
Lindo!
O menino e o espelho.
Nua, a criança brincava rolando pelo chão, cheirando a terra, beijando as estrelas, voando de si para si.
Num movimento brusco a criança vê o menino. Ambos ficam sem ar.
Uma lágrima escorre do olho da criança.
Uma agonia sufoca o menino.
A criança sorri.
O menino emudece.
A criança olha para o menino.
O menino não sabia olhar para a criança.
Eu te amo! – diz a criança.
O menino nunca havia dito isto.
A criança transforma-se em areia.
A rocha há muito, já era o menino.

2 comentários:

Fênix disse...

Adorei o post. Escreva mais...

Renato Ribeiro disse...

Descobrindo novos recantos...
Gostei bastante do postagem. Vou lendo o restante com calma! Abraços.

"Nua, a criança brincava rolando pelo chão, cheirando a terra, beijando as estrelas, voando de si para si."

Lindo esse trecho.