sábado, 28 de fevereiro de 2009

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

FIQUEI MUITO TEMPO AFASTADO, MAS A PROVOCAÇÃO ME FEZ VOLTAR A ATIVA.
AQUI ESTOU, INTEIRO E NU.
CALAR-ME NUNCA.
FUI INCUMBIDO EM APRESENTAR AO MUNDO ALGUMAS PALAVRAS...

"EU NÃO SEI PORQUE A GENTE TEM QUE ENTENDER SE POR ACASO NINGUÉM PRECISA EXPLICAR..."

À MULHER DO PONTILHÃO QUE NUNCA MAIS VI.

- Amarraram teu Santo!
Foi o que Joana ouviu uma vez num jogo de búzios feito numa mesa no quintal da casa de Saana.
Joana nunca entendeu porque era daquele jeito. Por que tanta dor? Por que tanta angústia? Por que tanta vontade de voar?
Joana as vezes sentia a cabeça explodir. Nessas horas que não tem ninguém ia para a rua e andava pela noite escura. Companheira sua era a lua. Joana sentia uma ausência e uma dor que cortavam seu peito. No peito dela morava uma ansiedade, uma tristeza, uma inconformidade.
Nunca amou ninguém. 3 a amaram. Ela não. Só amava quem não podia. Ela só tinha os desgraçados, os azarentos, os maltrapilhos, os inconformados, os andantes, os transviados, os tresloucados, os idos nunca achados.
É fácil estar com aquilo que é menor que a gente porque daí a gente se sente amado, se sente desejado, se sente dono nunca escravo.
Joana era só amor. Amor em sua janela quando acordava e dava bom dia à manhã. Amor quando ia trabalhar naquele lugar tão quadrado. Amor quando todos precisavam. Amor que entendia o desamor dos outros e que reconhecia seu próprio desamor. Amor que ainda não ganhou seu lugar.
No ventre Joana nunca engravidou de vida. Como se nele nenhum outro sentimento pudesse existir porque o amor dela não era para ela. Era para todos.
- Teu Santo, mulé, teu Santo tá gritando... Tu tem que gradá o Santo!
Joana acorda um dia e decide comprar 2 rosas brancas. Essas rosas passeiam com ela pela cidade. O branco amarela-se com o olhar dos outros. Em casa, as rosas recebem seu devido lugar e em minutos renascem. Abrem-se. As rosas sabem seu destino pois já vieram sem espinhos.
Às 8 da noite, no frio, Joana sai a caminhar e leva consigo as 2 rosas. A mulher vestida de preto carrega o “buquê” branco. Enquanto caminha pede força, pede distância dos inimigos, pede um amor. Do alto da ponte Joana faz uma oferenda a Oxum e joga as rosas brancas nas águas doces do rio.
Sentindo-se mais livre, a mulher de preto segue beirando o rio acompanhando suas oferendas descerem com o olhar.
Mas Joana não precisava pedir amor. Amor é o que ela mais tinha. E este começa a queimar-lhe o peito, a invadir sua alma. Amor que faz com que seus olhos percam o caminhar de sua oferenda. Joana descalça só lembra... Amarram teu Santo.
A frase que lateja na cabeça parece ecoar no peito e sangrar na alma. Joana solta os cabelos e continua a andar. Ninguém a olha. Para o comum era ela apenas mais uma desgraçada, uma azarenta, uma maltrapilha, a inconformada, a andante, a transviada, a tresloucada, a ida nunca achada.
Horas passam. A noite cada vez mais presente. Os comuns já não mais transitavam pela cidade. O que surgia, de quando em vez, eram aqueles que só ela entendia, porque só ela os reconhecia e como mãe os acalentava, os amamentava, os fazia sonhar... a faziam voar.
E Joana transborda seu amor pela noite. Vários..., vários..., ..., vários.
O vestido preto é levado em partes por aqueles que são como ela. Só sabia que ainda não era hora de parar. E todos se esbaldam, se lambuzam, se afogam nas águas doces do corpo quente da mulher de preto. Nenhum se embebeda das águas salgadas que marejam nos olhos de Joana.
Num rompante decide voltar ao local onde realizara sua oferenda. Tal foi sua surpresa quando encontra uma das rosas presa entre galhos. O ritual não se completara.
Triste, a mulher retorna a seu lar e a frase de Saana a martelar durante todo o regresso. Foi amarração forte, ela pensa.
Vai então se lavar no escuro de um banheiro frio querendo encontrar respostas às suas inquietações. A lua a iluminar o pequeno buraco para entrada de ar em sua parede.
É nesse momento que ela entende. A oferenda foi pouca. Uma mãe precisa ser agradada pelo filho. E se amarraram teu Santo, é porque tu não cuidas dele.
Do banheiro escuro Joana ilumina a casa com seu vestido branco e descalça sai pela madrugada.
Novamente transborda seu amor pela noite. Vários..., várias..., ..., variedades. Mas dessa vez são todos ao mesmo tempo. Todos no mesmo lugar. No lugar onde ela havia feito a oferenda.
Joana empurra às águas doces todos aqueles que como ela vêem na noite o encontro consigo mesmo. E enquanto as águas engolem os idos fazendo-os se achar, Joana nua, entrega-se as mesmas para completar a oferenda.
E enquanto é engolida ela novamente transborda de sentimento pois agora entendera que só há um caminho para ter o verdadeiro amor: sentir o que os outros sentem, dar aos outros o que eles querem, mas nunca ser feliz.

EMERSON DE PAULA
24 de Maio 2008

Se me Ofereço é porque Tu Me Completas

O suor escorria pelo negro corpo.
Chamavam-no de Nbenda, mas ele não se via assim.
Não suportava sua condição de escravo por descendência. Ainda estava naquela fazenda só porque chegaram às férias escolares. Era nesse momento que ele esquecia todo o sofrimento porque noutros momentos ele trabalhava cada vez mais para poder suportar a ausência daquela pessoa.
Aquela pessoa também esperava as férias para encontrar a sua pessoa.
O neto chega à fazenda. Corpo roliço, botas, cheiro de vida. 18 anos completara.
O menino começava a virar homem. Era diferente de todos em sua família. Compreensivo, aberto ao diálogo, sorridente, visceral, único. Todos adoravam o jovem e Nbenda mais ainda.
Era ele pisar na terra da fazenda que esquecia o mundo lá fora, não ouvia mais nada. Só sentia o cheiro de suor daquele corpo negro... Corpo que possuía a mesma idade do seu. Corpo que cresceu junto, brincou junto, descobriu junto mas não teve as mesas oportunidades.
O neto chega à fazenda. Nbenda capinando o jardim. Ambos se vêem. Abraçam-se. Relembram o passado.
O avô quer acabar com o encontro. Julga já ter dado tempo suficiente. É interrompido pela esposa que explica o valor das coisas cultivadas desde a infância... Nbenda-mãe contempla a cena.
Noite cai. Todos dormem. Menos o neto.
Em seu quarto ele olha a lua.
- Ô a êêê ôiá! Ele canta só pra si.
- Ô a êêê ôiá! Nbenda canta pra ele.
O neto deixa o quarto. Deixa a casa.
Do encontro no jardim, saem calados em direção às árvores. A beira da lagoa eles contemplam a lua.
- Você cresceu!
- Você também!
- Demorou a vir este ano.
- Quase não vinha. O colégio apertou.
- Tava esperando.
- Também.
A beira da lagoa, Nbenda tira sua camisa, arregaça a calça e entra na água como se fosse uma oferenda a Oxum.
O neto observa aquela cena. Seus olhos marejados. Sua vivacidade anulada.
Nbenda sai da água e deita na pedra que está ao lado do garoto.
A água que escorre ao peito faz lembrar o suor que escorre neste mesmo peito nos dias de trabalho ao sol.
- Sinto falta de você!
- Você vive em mim!
- Mas você fica na cidade e sua amizade é que me alimenta o peito...
O neto com lágrimas aos olhos deposita a mão mulata no peito de ébano. Com os dedos, enxuga a água que insistia em escorrer.
Nbenda surpreende-se com a atitude do amigo, mas sente que deve deixar acontecer.
Do peito a mão sobe ao pescoço e encontra a boca. Com a outra mão o neto faz o mesmo em seu corpo.
Nbenda quer falar, mas o neto tampa-lhe a boca e cobre-lhe os olhos. Tudo feito na mais perfeita doçura.
Tirando a roupa o neto entra na lagoa. Era como estar nadando no suor de Nbenda. Embriagado, ele bate a cabeça repetidas vezes nas pedras que circundam a lagoa até o sangue cobrir seu rosto. Imóvel, ele bóia e chega à margem.
Assustado o negro chora entrelaçando-se com o corpo do neto do senhor. Lambe-lhe o sangue da cabeça e beija-lhe a boca. O suor dos lábios de Nbenda se junta ao sangue e a saliva do garoto. Nbenda sente o corpo que nunca sentiu.
Não havia mais tempo. Era preciso entender a mensagem.
O negro nu entra na lagoa. Vai até a pedra e repete a mesma ação do companheiro. Seu corpo tomba, bóia sobre a água e encontra o corpo que sempre desejou. Finalmente os corpos haviam se amado.
Do lado oposto à lagoa, entre as folhagens, Nbenda-mãe e a avó do garoto abrem mudas uma cova. Cavam e deixam as lágrimas umidecerem a terra.
Cúmplices elas sepultam os corpos. Deitadas sobre a mãe terra grávida dos dois garotos, elas velam a tristeza de não terem feito nada. Pelo menos quando ambos viviam.
Mas no peito agora não havia pranto de dor. O que havia era celebração.

EMERSON DE PAULA
28/02/2006.